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2 Cap. 17 ESTRUTURA, FUNDAMENTOS E OBJETIVOS DO ESTADO BRASILEIRO 281 CAPÍTULO 17 Estrutura, fundamentos e objetivos do Estado brasileiro Sumário: 1. Princípios estruturantes: 1.1. Princípio republicano; 1.2. Princípio federativo: Princípio da indissolubilidade do pacto federativo; 1.3. Princípio do Estado democrático de direito: Estado liberal; Estado social; Estado democrático de direito (Estado constitucional democrático) 2. Princípio da separação dos poderes 3. Fundamentos: 3.1. Soberania; 3.2. Cidadania; 3.3. Dignidade da pessoa humana: Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais; 3.4. Valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; 3.5. Pluralismo político 4. Objetivos fundamentais 5. Princípios regentes das relações internacionais 6. Quadro comparativo. A Constituição de 1988 consagra, no Título I, os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, os quais estabelecem a forma, a estrutura e os fundamentos do Estado brasileiro (CF, art. 1.º), a divisão dos poderes (CF, art. 2.º), os objetivos primordiais a serem perseguidos (CF, art. 3.º) e as diretrizes a serem adotadas nas relações internacionais (CF, art. 4.º). 1. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES CF, art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]. Os princípios estruturantes constituem e indicam as diretrizes fundamentais informadoras de toda a ordem constitucional. Dotados de elevado grau de abstração, esses princípios são densificados por outros mais específicos que iluminam o seu significado em um processo de esclarecimento recíproco que, segundo Karl Larenz (1997), possui duplo sentido: o princípio esclarece-se pelas suas concretizações e estas pela união perfeita com o princípio. O princípio democrático, por exemplo, é densificado por uma série de princípios constitucionais gerais (como o princípio do sufrágio universal) que, por sua vez, são densificados por princípios constitucionais especiais (como o princípio da liberdade de propaganda, igualdade de oportunidades e imparcialidade da campanha eleitoral), os quais também recebem a concretização de diversas regras constitucionais (CANOTILHO, 2000). Serão analisados, a seguir, os princípios estruturantes consagrados no caput do artigo 1.º da Constituição da República, os quais expressam as decisões políticas fundamentais do legislador constituinte em relação à forma e à organização do Estado brasileiro.
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7 286 CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL Marcelo Novelino como a inglesa, que distinguiam na lei tanto o aspecto formal (voluntas) quanto o material (ratio), no Rechtsstaat a lei é compreendida como sinônimo de vontade do soberano. O direito torna-se mera força, sendo eliminada a antítese, identificadora do constitucionalismo, entre o poder e os direitos individuais. Isso se explica pelo fato de este ideal ter amadurecido dentro do clima do positivismo jurídico, no qual o místico respeito pela lei é associado a um modo de concebê-la absolutamente voluntarista. Se o Estado de direito é apenas um modo de exercer o poder, o direito não será um verdadeiro limite a este poder, mas apenas o modo de se externar. O cidadão não pode opor os próprios direitos originários contra o Estado, porquanto sua soberania não conhece limites. O Estado persegue seus fins somente dentro das formas e dos limites do direito e, portanto, deve garantir aos cidadãos a certeza de sua liberdade jurídica, uma liberdade sempre concedida pelo Estado. Mateucci (1998) observa que, ao delimitar a justiça ao campo administrativo, excluindo-a do constitucional, a teoria do Rechtsstaat apresenta o grave inconveniente de não opor limites ao poder do Estado, senão os de caráter processual, sendo os direitos individuais concebidos apenas como o resultado de uma autolimitação por parte do Estado. No constitucionalismo francês, a expressão État légal pode ser compreendida como o estabelecimento de normas por meio de legisladores eleitos democraticamente. As leis elaboradas pelo Parlamento são concebidas como a expressão da vontade política geral e dos imperativos constitucionais, tal como enumerado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), os quais limitam os legisladores em suas escolhas, ainda que as limitações e objetivos impostos pela Constituição desempenhem um papel exclusivamente político. As concepções de État légal e Rechtsstaat são muito próximas. Ambas se referem a um sistema de leis feitas pelo legislador, ainda que apenas no État légal se verifique a exigência de que este seja eleito democraticamente. Canotilho (2000) assinala que o État légal foi concebido como uma ordem jurídica hierárquica de quatro níveis, cuja estrutura ainda serve de paradigma para alguns Estados constitucionais da atualidade: I) no vértice da pirâmide, estava situada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que, ao consagrar os direitos naturais e sagrados do homem, estabeleceu uma disciplina vinculativa para a própria constituição; II) no plano imediatamente inferior, situava-se a constituição de 1791; III) logo abaixo, vinham as leis; e IV) na base da pirâmide, situavam-se os atos do executivo de aplicação das leis. Todavia, a supremacia da constituição acabou sendo neutralizada pela primazia da lei. A sujeição do poder ao direito, por estar radicada mais na substância das suas ideias do que na capacidade de elaborar procedimentos capazes de lhes conferirem uma operatividade prática, acabou fazendo do constitucionalismo francês, paradoxalmente, um constitucionalismo sem constituição. Interessante notar que a profunda desconfiança dos revolucionários franceses nos juízes não deixava margem para adjudicação da constituição, o que posteriormente acabou se mostrando inadequado para uma democracia constitucional. Na tentativa de remediar esta deficiência, o État du Droit foi invocado para suprir o État légal, com
8 Cap. 17 ESTRUTURA, FUNDAMENTOS E OBJETIVOS DO ESTADO BRASILEIRO 287 a tarefa de transformar garantias constitucionais de natureza política em garantias legais. Sua finalidade era substituir a Constituição como política pela Constituição como lei, conferindo-lhe um caráter jurídico. A combinação entre État légal e État du Droit é mais próxima do Verfassungsstaat ( Estado Constitucional ) do que do Rechtsstaat ( Estado de Direito ). Nos Estados Unidos, a noção de Império do Direito (The Reign of Law) ganhou contornos inovadores, tendo como aspecto distintivo a ideia de submissão de todos ao Direito (Always under Law). O Estado constitucional estadunidense apresenta os seguintes aspectos distintivos: I) direito do povo de elaborar uma lei superior na qual são estabelecidos os direitos e liberdades dos cidadãos, os esquemas essenciais do governo e seus respectivos limites; II) associação da juridicidade do poder à justificação do governo (sempre subordinado às leis), cujas razões devem ser públicas de modo a tornar patente o consentimento do povo em ser governado sob determinadas condições; III) tribunais constituídos por juízes (agentes do povo) nos quais este deposita a confiança de preservação dos princípios de justiça e dos direitos consagrados na lei superior. A justiça é exercida em nome do povo, podendo os juízes recorrer à constituição para declarar a nulidade de leis (CANOTILHO, 2000) Estado social O regime liberal pressupõe certa igualdade entre os indivíduos, por requerer uma competição equilibrada. Com a crise econômica e a crescente demanda por direitos sociais após o fim da Primeira Guerra Mundial (1918), houve também a crise do liberalismo, dando origem a uma transformação na superestrutura do Estado liberal. O Estado abandona sua postura abstencionista para assumir um papel decisivo nas fases de produção e distribuição de bens e passando a intervir nas relações econômicas. A noção contemporânea de Estado social surge a partir da busca da superação do antagonismo existente entre a igualdade política e a desigualdade social. Ao contrário do Estado socialista (Estado proletário) que o marxismo intenta implantar, o Estado social conserva sua adesão ao capitalismo, sendo este o principal aspecto distintivo entre os dois modelos (BONAVIDES, 2007). O Estado social adota os mais variados sistemas de organização política, alguns inclusive antagônicos. A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra de Churchill, os Estados Unidos de Roosevelt, a França durante a Quarta República e o Brasil, a partir de 1930, foram Estados sociais. Suas principais características são: I) intervenção no âmbito social, econômico e laboral, com o abandono da postura abstencionista; II) papel decisivo na produção e distribuição de bens; III) garantia de um mínimo bem-estar, por exemplo, com a criação de um salário social para os mais carentes;
9 288 CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL Marcelo Novelino IV) estabelecimento de um grande convênio global implícito de estabilidade econômica (pacto Keynesiano). Em geral, as expressões Estado social e Estado do bem-estar social (Welfare State) são utilizadas para designar o modelo de Estado voltado à satisfação das necessidades individuais e coletivas dos cidadãos. Contudo, há quem identifique este último a um dos aspectos específicos da ação política do Estado social, qual seja, a preocupação com o bem-estar da coletividade. Nesta acepção, o Estado do bem-estar poderia ser associado também a outros modelos, como alguns Estados absolutistas Estado democrático de direito (Estado constitucional democrático) Ao fim da Segunda Guerra Mundial, na tentativa de consolidar as conquistas e suprir as lacunas das experiências anteriores, surge um novo modelo de Estado que tem como notas distintivas a introdução de novos mecanismos de soberania popular, a garantia jurisdicional da supremacia da Constituição, a busca pela efetividade dos direitos fundamentais e a ampliação do conceito de democracia. As constituições contemporâneas representam o intento de recompor a grande fissura entre democracia e constitucionalismo, por meio de uma fórmula que promova um justo equilíbrio entre o princípio democrático e a força normativa da constituição (FIORAVANTI, 2001). Na busca pela conexão entre a democracia e o Estado de direito, o princípio da soberania popular se apresenta como uma das vigas mestras deste novo modelo, impondo uma organização e um exercício democráticos do Poder (ordem de domínio legitimada pelo povo). Além da ampliação dos mecanismos tradicionais de democracia representativa, com a universalização do sufrágio para categorias antes excluídas do processo participativo (como mulheres e analfabetos...), são consagrados instrumentos de participação direta do cidadão na vida política do Estado, tais como plebiscito, referendo e iniciativa popular. 3 A tensão entre a nova configuração do constitucionalismo e o conceito meramente formal de democracia, tradicionalmente associado à premissa majoritária, promove o desenvolvimento de uma dimensão substancial da democracia, 4 a fim de assegurar que os direitos fundamentais sejam efetivamente usufruídos por todos, inclusive pelas minorias perante a vontade popular majoritária Por considerar que o povo era incapaz de tomar decisões de forma direta, Montesquieu (2009) afirmava: a grande vantagem dos representantes é serem capazes de discutir os negócios. O povo não está apto para isso, o que constitui um dos grandes inconvenientes da Democracia. [...] O povo não deve participar senão para escolher os seus representantes, o que está muito ao seu alcance. 4. FERRAJOLI (2005): A subordinação da lei aos princípios constitucionais equivale a introduzir uma dimensão substancial, não só nas condições de validade das normas, mas também na natureza da democracia, para representar um limite e, ao mesmo tempo, completá-la. Um limite porque aos direitos constitucionalmente estabelecidos correspondem proibições e obrigações impostas aos poderes e da maioria, que de outra forma seriam absolutos. E a completa porque estas mesmas proibições e obrigações se configuram como outras tantas garantias dos direitos de todos, frente ao abuso de tais poderes que como a experiência ensina poderiam de outro modo envolver, junto com os direitos, o próprio método democrático. 5. GRIMM (2006b): Parece difícil adotar um conceito de democracia que seja puramente formal. Primeiro, um conceito de democracia baseado somente no princípio majoritário é incapaz de assegurar eficazmente um